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quinta-feira, 13 de junho de 2013

A Ausência de Deus...


    Comentando o Salmo 22, no qual lemos: “ O Senhor é meu Pastor, nada me pode faltar. Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos, não temerei nenhum mal, porque vós estais comigo”, o filósofo Henri Bergson diz que as centenas de livros lidos em toda sua vida nunca deram tanta luz e consolo como esses poucos versículos da Bíblia. E de fato, é a afirmação de total confiança do salmista na proteção divina, que permite encarar as dificuldades que se apresentam na vida com a coragem de quem sabe que elas não tem nenhum poder para impedir a realização do objetivo final da nossa existência dentro do projeto do Criador. 

A imagem do Bom Pastor – que devemos valorizar ao máximo neste Ano Sacerdotal – impressionou de tal maneira os primeiros cristãos que ficou gravada como principal imagem representativa de Cristo, como é o caso de uma célebre gravura encontrada nas Catacumbas de Domitila, em Roma, onde a ovelha desgarrada está colocada sobre os ombros depois de amorosa procura, por parte do pastor, que representa o carinho de Cristo pelo homem, especialmente por aquele que se perdeu no caminho. O Deus revelado por Jesus Cristo não é o Deus dos filósofos, distante, residente num monte inacessível, desinteressado da sorte dos homens, que entregou às leis cegas na natureza. O nosso Deus é aquele que se preocupa pela Sua criatura, obra de suas mãos.

Às vezes somos tentados em olhar para Deus como alguém que é responsável pela situação de sofrimento que o homem experimenta frequentemente na vida. Não podendo atribuir a Deus a origem do mal, alguns pensadores inventaram a figura de uma outra divindade, responsável pelo mal da humanidade. Outros vêem na existência do mal uma razão para não acreditar na existência de Deus.

Quando convocou o Concílio Vaticano II, o papa João XXIII escreveu: “sabemos que a contemplação destes males abate a tal ponto o ânimo de alguns que não vêem mais que trevas e pensam que o mundo está totalmente envolvido por elas. Para nós, ao contrário, é de grande consolo pôr a nossa confiança no divino Salvador do gênero humano, que não deixou, por certo, ao abandono os mortais que redimiu. Mais ainda: tendo em conta o conselho de Cristo quando nos exorta a discernir os “sinais dos tempos”, vemos que, no meio de tão calamitosas trevas, aparecem sinais que anunciam melhores tempos para a Igreja e para a humanidade”.

A modernidade chegou à conclusão de que Deus é uma inutilidade. Afirma-se o poder da razão, que por um lado, não tem possibilidades de acesso a Deus e, por outro, a mesma razão assegura ao homem o domínio sobre a natureza e a sua autonomia pessoal em liberdade. A razão, à qual devemos o atual desenvolvimento, permite-nos o acesso àqueles bens que mais desejamos: o ter, o poder e o prazer. Para quem acredita que além deste tempo e deste espaço atual não existe mais nada, isto basta. Mas aquelas realizações técnicas são hoje postas em juízo, na medida em que não têm trazido a almejada felicidade para o homem; algumas delas, aliás, são uma fonte de inquietações e de medos, como o perigo nuclear, a destruição do meio ambiente...

Desse modo, a chamada pós-modernidade põe em crise a própria razão, incapaz de dar ao homem a paz e o bem estar que ela inicialmente prometia. A civilização a que ela deu origem não é uma civilização de vida, mas de morte: fome, doenças, terrorismo, práticas abortivas, eutanásia, drogas, etc. Assim, se vai percebendo a necessidade de uma ética que permita o convívio entre os homens. Mas sobre qual fundamento? A nossa liberdade não é um valor absoluto. Para que possa contribuir para o bem do homem, deve exercer-se com responsabilidade e consciência de suas limitações. 

Sabemos que quando falta uma peça num mosaico, damos conta disso pelo vazio que deixa; o que vemos ali é o vazio deixado pela ausência de algo que, aparentemente insignificante, na verdade é fundamental. Assim acontece com Deus e sua relação com o mundo: atualmente vemos a ferida que sua ausência provoca. E um desafio fundamental para o homem contemporâneo é reconhecer que o vazio que sente, estando no mundo, e no próprio coração é esta ausência de algo fundamental: Deus, que mesmo ausente está presente.


Escrito por Dom José Palmeira Lessa 
Arcebispo Metropolitano de Aracaju

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